
Locação “Short Stay” em Xeque? O novo ambiente jurídico e os investimentos imobiliários
Há alguns anos, o mercado de locações de curta temporada, conhecido como “short stay”, surgiu como alternativa de rentabilidade para investidores imobiliários, impulsionado, principalmente, pela popularização de plataformas digitais de intermediação. Esse modelo de locação, que permite a exploração de imóveis por curtos períodos, atraiu investidores pela expectativa de rentabilidade que, por vezes, supera o retorno do aluguel residencial tradicional.
Mas o modelo de locação que estava se consolidando como um nicho promissor, atraindo grandes investimentos e aquecendo o mercado imobiliário, agora se vê diante de uma possível crise, ditada por um cenário regulatório menos permissivo e mais desafiador em razão de normas que estão sendo editadas pela União e pelos Municípios e, também, pelas restrições impostas pelos próprios condomínios, redefinindo, assim, as perspectivas sobre o investimento.
Nessa linha, os precedentes judiciais confirmando a validade das restrições que vêm sendo aplicadas pelos condomínios foram o primeiro fator que colaborou para reduzir a oferta de unidades nas plataformas digitais, motivado pelos apelos de moradores preocupados com a segurança, o sossego e o uso abusivo do condomínio devido à alta rotatividade de pessoas estranhas à vida condominial.
Há uma coleção de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) favoráveis aos condomínios. Exemplo disso é o REsp 1819075: nesse julgado, o STJ considerou que, além da destinação residencial das unidades impedir a sua utilização para atividades de hospedagem remunerada, decidiu que esse tipo de locação traz perturbação à rotina do espaço residencial e insegurança aos demais condôminos. Esse e outros precedentes dão suporte para que assembleias condominiais optem por vedar o “short stay”.
Alinhado a essa tendência mais restritiva, sob a justificativa de encontrar um equilíbrio entre os interesses de moradores e proprietários de condomínios estritamente residenciais, o projeto de reforma do Código Civil (PL nº 04/2025) propõe a inclusão do §1º ao art. 1.336 para estabelecer que “nos condomínios residenciais, o condômino ou aqueles que usam sua unidade, salvo autorização expressa na convenção ou por deliberação assemblear, não poderão utilizá-la para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta.”.
E, mais recentemente, o município de São Paulo ampliou o rol de restrições, proibindo que as unidades imobiliárias classificadas como Habitação de Interesse Social (HIS1 e HIS2) e como Habitação de Mercado Popular (HMP) sejam destinadas à locação de curta estadia (art. 1º, Decreto nº 64.244/2025), afinal, o modelo de locação não configuraria provisão habitacional para as finalidades de atendimento a famílias de baixa renda, como impõem os arts. 46 e 47 das Políticas de Desenvolvimento Urbano e Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal nº 16.050/2014).
Essa medida teria como foco coibir o desvio da finalidade social desses empreendimentos, que foram concebidos para famílias de baixa renda, de modo que os benefícios urbanísticos e fiscais foram instituídos como incentivo à produção privada dessas unidades, inclusive para locação.
O impacto financeiro dessa regulamentação é direto. Esse conjunto de restrições ‒ decisões judiciais, legislação em tramitação e regulamentações municipais ‒ levam a um cenário de incertezas. O que antes era visto como inovação, agora é sentido como riscos social, urbanístico e jurídico que têm a perspectiva de afastar investidores para esses negócios.
Para o desenvolvedor imobiliário, a perda dessa fatia de mercado impõe maior criatividade no planejamento e desenvolvimento do empreendimento imobiliário, sobretudo na avaliação das normas regulatórias quanto ao uso e ocupação do solo e o tipo de projeto a ser implantado.
Esse novo cenário exige que o empreendimento seja desenvolvido visando à permissão de locação “short stay” já na convenção condominial que vai arquivada no requerimento de incorporação imobiliária. Essa definição prévia direciona a aquisição das unidades a condôminos que busquem esse modelo de locação e confere transparência ao adquirente, atraindo investidores que buscam ativos compatíveis com a locação por plataformas digitais.
Outro ponto importante a ser observado é a escolha quanto à tipologia do empreendimento. Direcionar lançamentos para fora da classificação HIS e HMP mitiga riscos relacionados à limitação do direito de propriedade, uma vez que esses programas estão sujeitos a limitações de uso e, agora, a proibições expressas quanto à locação por temporada. Embora tais classificações ofereçam benefícios urbanísticos e incentivos fiscais, o desenvolvedor precisa ponderar se o retorno compensa as restrições que comprometem a atratividade do imóvel no longo prazo.
Buscar alternativas em incentivos urbanísticos fora das habitações populares, especialmente em áreas de maior adensamento, podem trazer maior rentabilidade ao empreendimento. Projetos nessas regiões podem usufruir de outorga onerosa mais vantajosa ou flexibilizações urbanísticas quanto ao coeficiente de aproveitamento sem estarem sujeitos às amarras dos programas habitacionais. Ao alinhar viabilidade urbanística, segurança regulatória com o potencial de exploração da locação em plataformas digitais, o desenvolvedor imobiliário realiza empreendimentos mais resilientes e atrativos ao investidor.
Em resumo, limitações como as apresentadas acima podem até gerar um impacto imediato no desenvolvimento de empreendimentos voltados ao modelo de locação de curta temporada. No entanto, a longo prazo, o incorporador precisa adotar uma postura mais estratégica e promover escolhas conscientes por tipologias que agregam um excelente aproveitamento do potencial construtivo e alternativas de exploração da unidade imobiliária pelo proprietário, tornando seu produto mais atrativo. Ao alinhar esses elementos desde a concepção, o desenvolvedor imobiliário garante empreendimentos mais competitivos e preparados para um mercado cada vez mais complexo.