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Entre a efetividade e o risco: honorários de sucumbência no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento de grande relevância na recuperação de créditos, especialmente em situações em que a autonomia patrimonial da sociedade é utilizada de forma abusiva para frustrar a satisfação de obrigações legítimas.

 

Não são raras as situações em que credores encontram obstáculos para satisfação de seus direitos diante de devedores que, de forma artificiosa, esvaziam seu patrimônio ou recorrem a expedientes fraudulentos para frustrar as execuções movidas contra si.

 

Nesse contexto, ao permitir que o credor ultrapasse a barreira da pessoa jurídica e alcance o patrimônio dos sócios ou administradores, o instituto se revela um instrumento essencial de efetividade processual, buscando equilibrar a proteção conferida à atividade empresarial com a necessidade de impedir práticas de fraude ou confusão patrimonial que possam inviabilizar a tutela do direito creditório.

 

Previsto no artigo 134 do Código de Processo Civil, o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica constitui instrumento processual destinado a coibir abusos decorrentes da utilização indevida da pessoa jurídica, porém, por não haver previsão legal que determine a fixação de honorários de sucumbência em seu âmbito, acabou por estimular a utilização indiscriminada do incidente, ainda que ausente uma demonstração clara dos pressupostos legais de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

 

Até o ano de 2023, o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça – seguido de maneira uniforme por todos os Tribunais do país – era no sentido de afastar a aplicação de honorários no âmbito do incidente, justamente por não se tratar de recurso, mas sim de uma decisão de natureza interlocutória.

 

O cenário começou a mudar a partir do julgamento do REsp 1.925.959/SP, quando a 3ª Turma do STJ inaugurou uma nova orientação ao admitir a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência sempre que o pedido de instauração do incidente for rejeitado, alterando significativamente o panorama jurisprudencial.

 

No início de 2025, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que são devidos honorários de sucumbência nas hipóteses de improcedência do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. O precedente, de observância obrigatória, representou uma alteração significativa do posicionamento jurisprudencial até então consolidado, passando a reconhecer expressamente a natureza contenciosa do incidente e, por consequência, a aplicação do princípio da sucumbência, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil.

 

 

O novo entendimento foi firmado no julgamento do Recurso Especial 2.072.206/SP, por meio do qual o Relator, Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva, afirmou que “apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido”, motivo pelo qual o seu indeferimento “dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo”.

 

Essa guinada jurisprudencial, embora apresentada como forma de prestigiar o princípio da causalidade e reprimir pedidos infundados, gera inegável efeito desestimulante sobre os credores.

 

Afinal, além do risco de não lograr êxito no pedido de desconsideração, os credores passam a enfrentar a possibilidade de serem condenados ao pagamento de honorários de sucumbência. Isso significa que, além de não receberem os valores que legitimamente lhes são devidos, podem acabar convertendo-se em devedores, suportando novas despesas justamente no contexto de suas já exaustivas tentativas de recuperar o crédito.

 

Assim, um instrumento concebido para fortalecer a efetividade do processo pode, paradoxalmente, transformar-se em um fator de desestímulo à busca legítima de satisfação do crédito, aproximando o instrumento da desconsideração mais de uma barreira do que de uma garantia.

 

Não se pode desconsiderar, ademais, que tal orientação jurisprudencial tende a gerar relevantes distorções práticas. Devedores que se utilizam de expedientes fraudulentos para ocultar ou esvaziar seu patrimônio passam a contar com um obstáculo adicional à efetiva responsabilização, na medida em que os credores se veem diante da difícil alternativa entre suportar o risco de eventual condenação em honorários de sucumbência ou, de outro modo, renunciar à persecução patrimonial em face dos sócios ou administradores.

 

Essa preocupação fica ainda maior em casos envolvendo créditos em valores mais expressivos, uma vez que a previsão do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil determina que os honorários sucumbenciais devem ser fixados entre o percentual mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da causa ou do proveito econômico obtido.

 

Isso significa, por exemplo, que em caso de ajuizamento do incidente em uma execução na qual se busca a satisfação de um crédito de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em caso de improcedência do pedido, o credor deve ser condenado a pagar, no mínimo, R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de honorários de sucumbência.

 

No âmbito do Recurso Especial nº 2.072.206/SP, tentou-se discutir ainda a modulação dos efeitos da decisão, para o fim de que o novo entendimento passasse a ser aplicado somente aos casos ajuizados após a criação do precedente, mas a questão restou superada e a orientação firmada pelo STJ passou a ser aplicada de imediato, alcançando inclusive os processos em curso, ainda que ajuizados em momento anterior à consolidação da tese pela Corte Superior.

 

Diante desse panorama, impõe-se que a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica seja objeto de criteriosa análise em cada caso concreto. Torna-se imprescindível que o requerimento seja instruído com elementos probatórios robustos e idôneos, aptos a evidenciar, de forma inequívoca, a ocorrência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, nos termos do artigo 50 do Código Civil e dos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. Do contrário, corre-se o risco de converter uma iniciativa legítima de satisfação do crédito em verdadeiro ônus adicional ao credor, diante da possibilidade de condenação em honorários de sucumbência.

 

Nossa equipe da área Estratégica permanece disponível para aprofundar o tema ou esclarecer eventuais dúvidas.

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