
Da proteção da Maria da Penha a casais homoafetivos do sexo masculino e mulheres travestis ou trans
A decisão, proferida no julgamento do Mandado de Injunção nº 7.452 [1], representa um avanço significativo na luta pelos direitos humanos e pela igualdade de gênero, ampliando a proteção para pessoas em situações de vulnerabilidade no contexto da violência doméstica e familiar.
A ação foi impetrada pela Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (Abrafh), e denunciava omissão legislativa atribuída ao Congresso Nacional, relativamente à edição de legislação específica contra a violência doméstica ou intrafamiliar que proteja homens GBTI+, bem como legislação preventiva e supressiva do controle coercitivo contra homens GBTI+ e mulheres, em geral cishétero e LBTI+.
O relator, ministro Alexandre de Moraes, consignou em seu voto a existência de uma omissão significativa do Poder Legislativo em proteger direitos e liberdades fundamentais dessas comunidades e ressaltou que apenas a tramitação de projetos de lei sobre a matéria não afasta tal omissão inconstitucional.
Quanto à aplicação da Lei Maria da Penha, a jurisprudência brasileira já caminhava no sentido de aplicar a legislação em casos envolvendo casais homoafetivos do sexo masculino e às mulheres travestis ou transexuais. Muitos advogados e juristas defendiam a necessidade de uma interpretação ampliativa da norma, considerando as especificidades das relações de violência no âmbito de casais homoafetivos e das violências doméstica e intrafamiliar sofridas por travestis e transexuais.
Em relatório sobre Discriminação e Violência Contra a População LGBTQIAPN+ apresentado em 2022, o Conselho Nacional de Justiça apontou que cerca de 14,2% da violência contra a população LGBTQIA+ se enquadrava em violência doméstica. Das vítimas, 43,8% tiveram a atribuição de identidade como mulheres lésbicas, 37,5% como mulheres trans e 12,5% como homens gays [2].
Consolidação
A decisão do STF reforça que a Lei Maria da Penha já previa a incidência da norma protetiva nas relações homoafetivas com pessoas do sexo feminino, tendo em vista que o objetivo da norma foi coibir, prevenir e estipular a punição adequada para qualquer forma de violência doméstica contra a mulher.

Ademais, para atingir o objetivo da lei, estabeleceu-se que:
a) o termo “mulher” contido na lei vale tanto para o sexo feminino quanto para o gênero feminino, “já que a conformação física externa é apenas uma, mas não a única das características definidoras do gênero”;
b) que “é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação”
c) e que a não incidência da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos masculinos e às mulheres travestis ou transexuais nas relações intrafamiliares pode gerar uma lacuna na proteção e punição contra a violência doméstica.
Neste sentido, nos últimos anos o STF já vinha consolidando algumas teses importantes em relação ao reconhecimento de direitos da comunidade LGBTQIAPN+, dentre as quais pode-se citar o reconhecimento constitucional das uniões homoafetivas (ADI 4.277, relator: ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe de 14/10/2011) e o enquadramento da homofobia e da transfobia como crimes de racismo, em sua concepção sociológica (ADO 26, rel. min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 6/10/2020).
Com esta última decisão, foi dado mais um passo no reconhecimento dos direitos da população LGBTQIAPN+ e no fortalecimento de um sistema jurídico mais inclusivo, justo e igualitário.
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